Sonetos...

Soneto 1


Dos mais belos seres, queremos mais,
De tal forma que não finde jamais a rosa da beleza,
Mas enquanto as mais maduras decrescem com o tempo,
Seus rebentos jovens possam relembrar suas memórias:
Mas tu, contratada a seus lindos olhos,
És auto-suficiente na luz de tua chama com a tua beleza,
E crias a fome, onde está a abundância,
Inimiga de ti mesma, tu, que és tão dce, a ti mesma tão cruel.
Hoje frescamente ornamentas o mundo,
E pareces a única capaz de anunciar a abundância da primavera,
Mas eis que dentro de teu próprio botão enterras tua essência,
E, tolinha, ocasionas um desperdício na natureza,
           Tem pena do mundo, ou então isto séria egoísmo,
            Consumir o quinhão que ao mundo se deve, e isto ao túmulo, e a ti mesma.








Soneto 12

Quando conto as horas que passam no relógio,
E a noite medonha vem naufragar o dia;
Quando vejo a violeta esmaecida,
E minguar seu viço pelo tempo embranquecida;
Quando vejo a alta copa de folhagens despida,
Que protegiam o rebanho do calor com sua sombra,
E a relva do verão atada em feixes
Ser carregada em fardos em viagem;
Então, questiono tua beleza,
Que deve fenecer com o vagar dos anos,
Como a doçura e a beleza se abandonam,
E morrem tão rápido enquanto outras crescem;
Nada detém a foice do Tempo,
A não ser os filhos, para perpetuá-lo após tua partida.


Soneto 15


Quando penso que tudo o quanto cresce
Só prende a perfeição por um momento,
Que neste palco é sombra o que aparece
Velado pelo olhar do firmamento;

Que os homens, como as plantas que germinam,
Do céu têm o que os freie e o que os ajude;
Crescem pujantes e, depois, declinam,
Lembrando apenas sua plenitude.

Então a idéia dessa instável sina
Mais rica ainda te faz ao meu olhar;
Vendo o tempo, em debate com a ruína,

Teu jovem dia em noite transmutar.
Por teu amor com o tempo, então, guerreio,
E o que ele toma, a ti eu presenteio.



SONETO CV
Não chame o meu amor de Idolatria
Nem de Ídolo realce a quem eu amo,
Pois todo o meu cantar a um só se alia,
E de uma só maneira eu o proclamo.
É hoje e sempre o meu amor galante,
Inalterável, em grande excelência;
Por isso a minha rima é tão constante
A uma só coisa e exclui a diferença.
'Beleza, Bem, Verdade', eis o que exprimo;
'Beleza, Bem, Verdade', todo o acento;
E em tal mudança está tudo o que primo,
Em um, três temas, de amplo movimento.
'Beleza, Bem, Verdade' sós, outrora;
Num mesmo ser vivem juntos agora.










Silêncio – Clarice Lispector (trecho)


(…) Como estar ao alcance dessa profunda meditação do silêncio. Desse silêncio sem lembrança de palavras. Se és morte, como te alcançar.

É um silêncio que não dorme: é insone: imóvel mas insone; e sem fantasmas. É terrível – sem nenhum fantasma. Inútil querer povoá-lo com a possibilidade de uma porta que se abra rangendo, de uma cortina que se abra e diga alguma coisa. Ele é vazio e sem promessa. Se ao menos houvesse o vento. Vento é ira, ira é vida. Ou neve, que é muda, mas deixa rastro – tudo embranquece, as crianças riem, os passos rangem e marcam. Há uma continuidade que é a vida. Mas este silêncio não deixa provas. Não se pode falar do silêncio como se fala da neve.

                 

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