segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Amor - Pois que é Palavra Essencial


Amor — pois que é palavra essencial 
comece esta canção e toda a envolva. 
Amor guie o meu verso, e enquanto o guia, 
reúna alma e desejo, membro de vulva. 

Quem ousará dizer que ele é só alma? 
Quem não sente no corpo a alma expandir-se 
até desabrochar em puro grito 
de orgasmo, num instante de infinito? 

O corpo noutro corpo entrelaçado, 
fundido, dissolvido, volta à origem 
dos seres, que Platão viu completados: 
é um, perfeito em dois; são dois em um. 

Integração na cama ou já no cosmo? 
Onde termina o quarto e chega aos astros? 
Que força em nossos flancos nos transporta 
a essa extrema região, etérea, eterna? 

Ao delicioso toque do clitóris, 
já tudo se transforma, num relâmpago. 
Em pequenino ponto desse corpo, 
a fonte, o fogo, o mel se concentraram. 

Vai a penetração rompendo nuvens 
e devassando sóis tão fulgurantes 
que nunca a vista humana os suportara, 
mas, varado de luz, o coito segue. 

E prossegue e se espraia de tal sorte 
que, além de nós, além da própria vida, 
como activa abstracção que se faz carne, 
a ideia de gozar está gozando. 

E num sofrer de gozo entre palavras, 
menos que isto, sons, arquejos, ais, 
um só espasmo em nós atinge o clímax: 
é quando o amor morre de amor, divino. 

Quantas vezes morremos um no outro, 
no húmido subterrâneo da vagina, 
nessa morte mais suave do que o sono: 
a pausa dos sentidos, satisfeita. 

Então a paz se instaura. A paz dos deuses, 
estendidos na cama, quais estátuas 
vestidas de suor, agradecendo 
o que a um deus acrescenta o amor terrestre. 

Carlos Drummond de Andrade, in 'O Amor Natural'

Nenhum comentário:

Postar um comentário